“Feliz e ponto”, de Silva


Aqui, a gente apresenta opiniões acerca de temas relacionados às discussões de gênero, sexualidade, racismo e LGBTfobia, sob um olhar do Feminismo e da Teoria Queer.


Para quem estava acostumado com o rapaz doce e tímido de A Visita ou Moletom, a surpresa com o clipe de Feliz e Ponto - música do terceiro álbum de Silva - foi certa. A doçura, bem característica do cantor, não ficou de lado, mas ganhou um quê de pimenta. Com a mesma sensibilidade que sempre tratou os sentimentos em suas músicas, nesta última, sua abordagem não foi diferente. O grande choque, entretanto, foi a introdução de um aspecto mais sensual e sexual - até então não empregado pelo artista -  mas não menos delicado e sentimental.
O clipe começa com uma sequência de figuras da natureza: rios, matas, céu e cachoeira, trazendo, inclusive, seus sons particulares. Com o início da música, introduz-se imagens de mãos tocando as pernas e a barriga de uma segunda pessoa, como se este ato fosse, também, parte do ambiente anteriormente apresentado, portanto, tão natural quanto. Ao decorrer do vídeo, é possível ver o próprio cantor na cena, a qual simula uma relação afetiva com a outra personagem: uma mulher.
Apesar de não esperarmos essa postura do músico, ela é facilmente aceitável após a colisão inicial. A expectativa que temos para um homem é, sempre, de que ele esteja com uma mulher. A sociedade naturaliza a relação heteronormativa, fazendo dela a ordem. O impacto se dá pela conduta inesperada do artista, ou melhor, da imagem que foi construída por aqueles que acompanham seu trabalho, mas não pela atitude em si. O comportamento indicado foi normalizado socialmente.
Em um segundo ato, as figuras masculina e feminina são apresentadas separadamente, intercalando-se em cena. As imagens transmitem paz, como se as personagens estivessem em um momento muito íntimo e pessoal, de quietude, calmaria e tranquilidade. A relação que tiveram não teve peso algum. Não teve motivos para pesar.
Posteriormente, a cena inicial se repete. Dessa vez, entretanto, são as mãos de outra pessoa que passeiam pelo corpo de Silva.  Aos poucos, a imagem revelada é de um homem, com quem troca beijos e carícias. A relação, já dentro da aceita heteronormatividade, tomando em consideração a trajetória do cantor, foi vista como escandalosa. Quando tomada da perspectiva homoafetiva, é ainda mais chocante. No contexto social em que a heteronormatividade foi imposta como a atitude certa, a  homoafetividade torna-se impensável e desprezível, de maneira que não cogitamos esta forma de relacionamento para nós ou para os outros.
Caminhando para o fim do vídeo, a sequência de imagens intercaladas das três personagens volta a ser reproduzida. Mais uma vez, a ação não representou peso psicológico ou social. O melhor do clipe, entretanto, ainda fica guardado para o fim. O grand finale é a cena na qual os três estão juntos, se beijando e se acariciando. A ausência de outros seres humanos e o ambiente natural nos faz refletir sobre a dicotomia certo e errado: seriam as nossas ações frutos da pura biologia ou de construções socialmente fabricadas? Será que, longe daqueles que julgam nossos feitos, não faríamos, sem peso, o que é de vontade?

Letícia Soares


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