Aqui, a gente apresenta opiniões acerca de temas relacionados às discussões de gênero, sexualidade, racismo e LGBTfobia, sob um olhar do Feminismo e da Teoria Queer.
(Foto: Reprodução/TV Foco)
Por Jonathas Gomes

     Em um editorial publicado no dia 8 de outubro, o jornal “O Estado de S. Paulo” avaliou como “muito difícil” a escolha de voto entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, candidatos à presidência no segundo turno. O veículo aponta os antagonismos ideológicos, a falta de consistência nas propostas de Bolsonaro para o país e os erros cometidos pelos governos anteriores do PT como fundamento à tal tese. Contudo, nivelar a “dificuldade” de escolha entre os candidatos, por um lado, a partir de uma avaliação de propostas contrárias às reformas realizadas no governo Temer -subentendidas pelo editorial como necessárias para “estancar a crise”- e, por outro lado, a partir de um projeto de país de um apologista da ditatura militar é, no mínimo, uma percepção exclusivista da realidade, além de descompromissada com os eventuais efeitos de um governo Bolsonaro.
     Os fundamentos do jornal à defesa de uma “escolha difícil” são pautados a partir de alguns problemas que realmente existem -ainda que outros sejam meramente uma questão ideológica de posicionamento do veículo-, mas considerados de uma maneira cuja devida proporção é ignorada. Jair Bolsonaro é um candidato que sustenta sua candidatura em cima do medo e dos discursos de ódio em vez de em um projeto fundamentado ao país, que busque intervir profundamente nas desigualdades da nossa sociedade. Não há consistência de planos para a economia, para a educação, para a saúde, para uma reforma tributária mais progressiva e nem para a segurança – esta última tornando-o conhecido como o candidato que “armará a população”. Os erros de gestão do PT, principalmente do governo Dilma, existem, mas não são comparáveis ao mesmo nível de efeitos negativos que Bolsonaro representa para o Brasil. As propostas de Fernando Haddad, citadas pelo editorial, em relação à contrariedade às reformas do governo Temer são muito menos comparáveis. Na verdade, o posicionamento editorial do jornal em relação a este ponto expressa apenas uma visão favorável à reforma trabalhista, à PEC do Teto dos Gastos e às propostas de uma reforma tributária excludente.
     Independentemente de preferências ideológicas, não há dificuldade em escolher qual deve ser o presidente do país nos próximos quatro anos. Este cargo, com certeza, não deve ser ocupado por um candidato que representa, além de propostas vazias aos problemas do país, um regresso às conquistas dos movimentos sociais, um saudosismo à ditadura militar e uma governabilidade para poucos em um país extenso e diverso como o Brasil.


Foto: Reprodução

   “Não é uma imitação ou sátira. É conseguir ser assim (parecer ‘uma mulher ou um homem de verdade’)”. Essa é a definição da categoria “Realness”, ou “Autenticidade”, presente nos bailes queer representados no documentário “Paris is Burning”, que retrata a vida noturna e a realidade de LGBTs negros e latinos nos anos 80 em Nova York. A categoria expressa que, entre acertos e contradições, há também a reprodução da heteronormatividade como modelo hegemônico para as representações de gênero mesmo em espaços que configuram uma contracultura a tal modelo.

   O panorama da representação normativa de gênero como qualificatória em tal categoria demonstra como a inserção cultural, ainda que involuntariamente, define a repetição de opressões entre grupos minoritários. Naquele contexto, os bailes representavam uma resistência à cultura heteronormativa das esferas sociais, como trabalho e lazer. A própria passagem “Quando você é homem ou mulher, pode fazer tudo. Mas quando se é gay, você monitora tudo o que faz” expressa - a partir de uma confusão entre gênero e sexualidade, visto que tais conceitos não eram tão claros à época- uma crítica à heteronormatividade e, no contexto, demonstra como os bailes permitiam uma libertação do olhar crítico alheio. A contradição está em fazer com essa liberdade uma categoria que celebra o quão uma pessoa consegue se enquadrar no modelo hegemônico de “homem” ou “mulher”, reproduzindo, então, a construção social usada para marginalizar o próprio grupo marginalizado.

   Em contrapartida, julgar tal atitude com o olhar de hoje é, no mínimo, injusto. O conhecimento analítico sobre a cultura, a história e as relações sociais estabelecidas em décadas passadas é construído a partir de uma perspectiva temporal, em que os erros, acertos e contradições tornam-se mais evidentes. Embora a categoria “Realness” seja fundamentada em contradições visíveis aos olhares hodiernos, em uma análise sem anacronismo, percebe-se um ponto principal: o desejo pela aceitação. Aquele grupo envolvido nessa categoria já enfrentava preconceitos inimagináveis naquela sociedade e a busca por ser o que o opressor representa, na verdade, significa um desejo por não sofrer pela marginalização, por, em alguns minutos, tentar aproximar-se do privilégio de ser o dito “normal”, em todo o seu paradoxo.

   “Ser capaz de se misturar. Isso é a autenticidade”. A citação, retirada do trecho da categoria “Realness” no documentário, resume a necessidade de aceitação, em toda a sua extensão contraditória. Ainda que “se misturar” signifique “eliminar as bandeiras” e, evidentemente, haja uma repetição da opressão imposta pela heteronormatividade, a busca era por adaptação à sociedade, no fundo. Criticar, apontar os erros e todas as contradições presentes nessa categoria são uma necessidade, até a fim de evitar a continuidade do mesmo padrão de busca por aceitação. Há de se ter empatia e coerência, contudo, ao olhar para tal contexto e buscar entendê-lo sem limitações, ponderando que por trás havia uma sociedade ainda mais retrógrada e pessoas pioneiras à luta que conhecemos com as perspectivas de hoje.

Jonathas Gomes



Apesar do convencimento da ciência e da maioria dos países de que não há nada de errado em ser homossexual, ainda é normal encontrar instituições que excluem a participação de quem se considera gay. As igrejas, por exemplo, repudiam qualquer ato LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e Transgêneros) entre os seus membros, e aqueles que se assumem sendo cristãos, são impedidos de assumir qualquer cargo dentro dos templos.

Muitas igrejas usam a Bíblia para condenar as “práticas” LGBT, e tentam passar através de seus cultos os requisitos necessários para encontrar Jesus. De acordo com “regras”, os convidados para a festa no céu devem agir de acordo com o que manda os mandamentos do Livro Sagrado, sendo fiel à moral e aos bons costumes cristãos.

Sentir atração por alguém do mesmo sexo ou se identificar com outro gênero, se transformando em drags, por exemplo, são práticas extremamente desaprovadas por líderes e pela maioria dos fies. E o castigo para quem se assume e não se nega é o afastamento de qualquer função dentro dos templos.

O lugar de fala que decidi abordar é um vídeo disponível no Youtube no canal “Armário de Saia”, em que duas Drags cantam músicas gospel e falam sobre suas experiências dentro das igrejas que frequentavam. Elas também falam da realidade de drags cristãs dentro de uma sociedade que não admite a mistura da religião e do homossexualismo no mesmo ambiente. Antes de encerrar o vídeo, elas deixam nítida a vontade de continuar adorando e servindo a Deus através dos louvores. 


Eliza Frizzera



O disruptivo clipe de Perfume Genius com o astro pornô gay Arpad Miklos conta com menos de 2 minutos mas é carregado de significado. Começa com o Perfume Genius cantando e com o zoom out da câmera aparece Arpad, figura máscula e viril que demonstra um carinho especial pelo cantor.

Existe ali um certo tom de diversão que não quebra a seriedade da mensagem principalmente pela música e pelo semblante dos dois. No que tange a letra, segundo o próprio Perfume Genius, a ideia é mostrar que conhecendo totalmente alguém, você acaba “indo embora”.

Daí, eles partem para a crítica do que é feminino e masculino quebrando de cara o estereótipo do machão que foi socialmente imputado como algo normal. Já Mike Handreas, com os cuidados de Arpad, é maquiado com todo carinho do mundo, mas notamos que ele está incomodado com tudo aquilo diante de tantas normatividades impostas pela sociedade. Como se não fosse para ele ser, mas é exatamente o que ele é.

Arpad e Perfume Genius até brincam com outras formas que causam estranhamento, mas é aí que mora a questão. O que é estranho? Por que é estranho? Por isso o clipe conversa muito com a teoria Queer.

Autor: Luiz Otávio Calado
Aqui, a gente apresenta opiniões acerca de temas relacionados às discussões de gênero, sexualidade, racismo e LGBTfobia, sob um olhar do Feminismo e da Teoria Queer.
Foto: Divulgação GNT/Twitter


   O "Papo de Segunda" é um programa de TV, do canal GNT, em que Fábio Porchat, Emicida, João Vicente de Castro e Chico Bosco comentam sobre temas da atualidade. As pautas variam de preconceito linguístico a afeto entre homens. O interessante desse programa é a proposta de debates a partir de visões masculinas diferentes da masculinidade hegemônica. Os próprios participantes, por vezes, discordam acerca de opiniões sobre acontecimentos.
   Ainda que a proposta seja ótima, há alguns pontos a serem considerados. Todos os homens do programa são heterossexuais, por exemplo, e, ainda que o Emicida represente os homens negros, ele se encontra em uma posição privilegiada hoje, como artista e empresário.
   Em geral, mesmo com problemas de representatividade, o programa traz perspectivas “contra-hegemônicas” sobre os temas levantados e faz com que seus apresentadores reflitam sobre seus privilégios.


Jonathas Gomes



O #PapoFeminsta é aquele cantinho especial onde xs Intermidiáticxs gritam “O QUE DISSE MACHISTA?”. É aqui que a gente usa tudo que estudamos sobre Teoria Feminista pra analisar e problematizar filmes, séries, políticas públicas, canais de comunicação e várias outras construções surgidas nessa sociedade patriarcal que merecem ser repensadas. 


cada dia, 13 mulheres são assassinadas no Brasil, somando a maior taxa de feminicídios no mundo: 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.  

O homicídio de mulheres como crime hediondo, envolvendo menosprezo ou discriminação à condição de mulher e violência doméstica e familiar é caracterizado como Feminicídio.  

No Brasil, a Lei define Feminicídio como “assassinato de uma mulher cometido por razões da condição do sexo feminino”, com pena de reclusão de 12 a 30 anos. 
O artigo 121, que define homicídio no Código Penal, foi alterado e teve o feminicídio incluso como um tipo penal qualificador, um agravante ao crime.  

A condição do feminicídio como uma circunstância qualificadora do homicídio o inclui na lista de crimes hediondos, ou seja, crimes que são encarados de maneira ainda mais negativa pelo Estado e tem uma face ainda mais cruel do que os demais. 

Dependendo dos casos, a  pena do feminicídio pode ser aumentada em 1/3, são elas: Crime durante a gestação, ou nos três primeiros meses posteriores ao parto; crimes contra a mulher menor de 14 anos ou maior de 60 e crimes contra mulheres com deficiência.  

Ao analisar o crime à mulher justamente por sua condição de mulher, o feminicídio e a Lei que o prevê como crime no Brasil, podem ser analisadas na perspectiva da interseccionalidadeuma vez que esse conceito vai além do simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão vigente nessa categoria (e em outras) e postula sua interação na produção e na reprodução das desigualdades sociaiso lugar que as mulheres ocupam dá lugar à ideia de um ponto de vista próprio à experiência da conjunção das relações de poder de sexo, de raça e de classe,  uma vez que a posição de poder em tais relações é, em sua maioria, dissimétrica. 

Diante disso, têm-se feminicídio como  um crime de ódio, cuja forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino, pelo contrário, faz parte de um processo contínuo de violênica extrema, que inclui uma lista extensa de abusos, desde verbais, físicos e sexuais à mutilação e barbárie.  

De acordo com a perspectiva interseccional, o crime de feminicídio é muitas vezes naturalizado por conta das definições vigentes de neutralidade, objetividade e racionalidade na verdade e na ciência, que fazem parte da visão de mundo das pessoas que as criaram, ou seja: homens ocidentais, brancos e membros das classes ocidentais. 

Ao analisar dados coletados por todo Brasil, nota-se que as taxas de feminicídio de mulheres negras são ainda maiores, 65,3% das mulheres assassinadas no Brasil no último ano eram negras – de acordo com o Atlas da Violência de 2017.  

Esse dado é a clara manifestação clara dinterseccionalidade estrutural, ou seja, da posição das mulheres de cor na intersecção da raça e de gênero e as consequências sobre a experiência da violência e as respostas à elas.  

A criação de políticas públicas, por sua vez, representam a  interseccionalidade política: as políticas feministas e as políticas antirracistas que têm como consequência a marginalização da questão da violência em relação às mulheres de cor. 

Para que se entenda o feminicídio, portanto, é preciso que se entenda a interseccionalidade, pois é esse o estudo responsável por compreender tudo que engloba as relações de classe, cor, e poder na sociedade; e a morte de mulheres, negros e LGBTQ+ está intimamente relacionada a ele.

Texto: Miranda Perozini
O #ComQueer é basicamente o megafone das pocs. É aqui que a gente grita “CLOSE ERRADO BEBÊ” e analisa músicas, peças publicitárias, matérias jornalísticas, documentários, filmes, videoclipes.. enfim. Qualquer tipo de conteúdo de comunicação pode ser avaliado e receber dois tipos de sentença: shantay you stay ou sashay away!


Fonte: Divulgação/Reprodução

“P.U.T.A” trouxe a banda Mulamba “para os holofotes” mesmo que para públicos específicos. Com uma letra crua e forte, o grupo de seis cantoras carrega, em trechos de seu single, a luta que mulheres passam somente por serem do sexo feminino vivendo em uma sociedade extremamente machista e sexista. 

A fala esdrúxula em relação ao tratamento dado à mulher, a culpabilização da vítima que sofre a violência sexual, a narração dos perrengues e atos passados pelo sexo feminino, a ideia de tratar o assunto do estupro como um ato pequeno e sem pouca repercussão. Foram esses fatos que as cantoras reuniram em “P.U.T.A” obtendo bastante simpatia de mulheres que reconheceram essas falas em seus cotidianos. 

Não é de se estranhar que a composição foi após uma das componentes do grupo ouvir relatos de uma mulher sobre ter medo de descer de um ônibus, sozinha, durante a noite. E não precisou de muito tempo para que a letra ficasse pronta. Juntando o que suas conhecidas e elas mesmas passaram e passam, foi feita, em duas horas, a dura escrita de “P.U.T.A”.

O clipe oficial, disponível na página da banda conta, apresenta as 6 integrantes dispostas no quadro com fundo preto e com a luz baixa. É possível identificar a intencionalidade de retratar, junto da sonoridade - que se inicia de maneira suspensa com um violoncelo e um violão, acompanhados de um instrumento de percussão ditando o ritmo da melodia - e a seriedade na face das cantoras, o que vem a ser contado na letra, em conjunto do que é sentido pelas protagonistas - mulheres - da canção. 

“Na cabeça a mesma reza. Deus que não seja hoje o meu dia. Faço a prece e o passo aperta. Meu corpo é minha pressa”. A música se inicia. As vozes se abrem contando a história. Uma complementa a outra deixando a ideia de narração e dor da letra bem nítida. Isso perdura durante toda a canção que foi para o YouTube na versão acústica. Há partes em que as vozes e os instrumentos aumentam o volume e vezes em que aceleram o ritmo, isso, de acordo com a letra trabalhada. 

“A roupa era curta. Ela merecia. O batom vermelho. Porte de vadia. Provoca o decote. Fere fundo o corte. Morte lenta ao ventre forte”. Cantada de maneira corrida, são presentificadas frases ouvidas por quem culpabiliza a vítima após atos de violência sofrido. Após essa parte, o som do violoncelo se sobressai com um barulho semelhante ao de uma ambulância fazendo alusão a ideia de que houve algum acidente. E a letra, assim, se concretiza junto da melodia e da interpretação bem feita, também, acompanhada da parte visual da maneira com que as seis mulheres se expressam, com dor, ao entoar a música.


MULAMBAS

Com um viés feminista, Amanda Pacífico, Cacau de Sá, Caro Pisco, Fer Koppe, Naira Debértolis e Nat Fragoso formaram a banda Mulamba. Primeiramente, se reuniram para fazer um tributo à Cassia Eller e, em seguida, começaram a fazer composições autorais tratando de temas que envolvem a mulher, lutas sociais que agregam não só o público feminino como o masculino também. 

O nome da banda foi escolhido a fim de ressignificar a ideia da palavra mulamba antes considerada pejorativa como alguém desleixado e feio, mas, agora, com a concepção de força e protagonismo. Elas se vestem de maneira despojada “fora dos padrões” ditos femininos e não querem se enquadrar nesse esteriótipo de mulamba, mas, sim, no recriado por elas mesmas de mulheres empoderadas que podem falar e ser o que quiserem.

Fora das letras e melodias, a maior presença do sexo feminino na indústria musical também é uma pauta tratada pelo sexteto que tem em sua equipe somente mulheres mostrando que elas podem executar qualquer tarefa desde que queiram e possam. 

Em suma, o grupo formado por seis mulheres empoderadas e empoderadoras traz, em seu trabalho, o que o sexo feminino passa de maneira fria e crua, expondo a realidade e procurando, de alguma forma, trazer reflexão sobre esse tema, visto que, como elas mesmas dizem, só é possível pensar sobre determinado assunto se ele for discutido e é isso que elas vêm fazendo.

“Música é manifesto. Assim como colocam na rua letras que diminuem a mulher, nós a empoderamos”.


Assista ao clipe na íntegra: 






Gabrielly G. Minchio

O #PapoFeminsta é aquele cantinho especial onde xs Intermidiáticxs gritam “O QUE DISSE MACHISTA?”. É aqui que a gente usa tudo que estudamos sobre Teoria Feminista pra analisar e problematizar filmes, séries, políticas públicas, canais de comunicação e várias outras construções surgidas nessa sociedade patriarcal que merecem ser repensadas.

Não é difícil perceber o quanto os valores hegemônicos se fortalecem ao moldar e reprimir nosso discurso e nossa sexualidade. Na idade média, por exemplo, muitas mulheres foram mortas e perseguidas por gozarem  (pasmem!) já que o orgasmo feminino era considerado uma perversão e um crime contra a moral e os costumes da época. O desejo sexual feminino era considerado tão repugnante que, por muito tempo, uma das marcas que evidenciavam que a mulher era uma bruxa era o clitóris grande, como se o clitóris fosse um sinal do demônio no corpo de algumas mulheres que, por razões muito óbvias e pouco sensatas, eram queimadas, mutiladas, perseguidas e torturadas.
No discurso, a repressão fica ainda mais óbvia quando conhecemos popularmente o nome da perversão e desconhecemos o nome do maior responsável pelo gozo feminino. Quem sabe, por exemplo, o nome dado a pessoa que apresenta um nível anormal de desejos e fantasias sexuais? Acertou quem disse ninfomaníaca. O que quase ninguém sabe é que este é um substantivo exclusivamente feminino e que os homens, num diagnóstico clínico, apresentam Sartiríase e não Ninfomania.  
Por outro lado, é muito mais fácil encontrar alguém que saiba - ou ache que saiba - o nome dado a prática de estimular a região íntima com a boca, popularmente chamado de boquete. Poucos sabem que o nome, por definição, deve ser usado somente quando esse estímulo ocorre no pênis, mas quando é na vagina.. ninguém lembra que minete (ou cunilíngua) existe.
Mas, felizmente, pra toda norma existe um transgressor, um perverso, um anormal ou, como prefiro chamar, um queer que nada contra a corrente hegemônica e joga as verdades na roda. E pra alegria de todas as bruxas mulheres, Karol Conka lançou em 2017 o videoclipe Lalá que é, basicamente, uma mistura de desabafo com tutorial para os homens com baixo desempenho na hora do minete.
Ao expor sua frustração a rapper curitibana, além de mostrar o quão frágil é a masculinidade, quebra vários tabus ligados a prática de sexo oral nas mulheres. A letra é extremamente didáticas, só não aprende quem não quer:



“O clima deixa de ser quente, confundiu minha mente/ Falam de mais, quando chega na hora a ação não é equivalente/ Nem vem, sou apenas mais uma com experiência e sabe quem tem/ Vejo vários convencidos achando que no final mandou bem/ Minhas amigas concordam também/ Vocês podem ir mais além/ Sem dedicação espantam um harém/ Curvem-se, encostem os lábios na flor/ Quebra esse tabu, isso não é nenhum favor”

O clipe consegue ser poeticamente explícito ao retratar a vagina com flores e frutas, além de homens em posição de submissão durante a relação sexual. Empoderadíssima, Karol Conka também fez questão de produzir o vídeo baseando-se apenas em opiniões femininas: “Tive a ideia de fazer um clipe com uma equipe toda formada por mulheres de forte posicionamento. Tivemos ideias coletivas que mostram o universo feminino de uma maneira doce e ao mesmo tempo divertida. A intenção é passar a mensagem quebrando o tabu de maneira informativa e criativa!”


O trabalho da artista Stephanie Sarley foi uma das inspirações para o clipe.

Muito feminista e com uma pegada queer por ousar retratar com normalidade um prazer tão “perverso  quanto o das mulheres, a obra expõe o atraso do discurso hegemônico que, até hoje, demoniza e enclausura a sexualidade e a liberdade feminina. A obra de Karol foi alvo de críticas da comunidade LGBT uma vez que apenas retratou homens em seu trabalho, ignorando o fato de que mulheres também fazem pouco caso na hora de fazer sexo oral umas nas outras. Apesar de toda a polêmica, devemos sempre nos questionar: uma única música precisa dar conta de tudo?
O trabalho põe em voga um tema que, por muito tempo, foi visto com maus olhos pela sociedade. Ao sinalizar o clipe como impróprio para menores de 18 anos, os moderadores do Youtube (muito provavelmente homens que não sabem fazer o lalá) apenas reforçam a importância de iniciativas como essas. A perseguição ainda existe e acontece diariamente. Mas ao invés de queimar e mutilar, a perseguição vem em forma de censura e silêncio.

Vitória Bordon

Fonte: MoMA

Paris Is Burning, documentário dirigido por Jennie Livinson, reflete a cultura de Drag Queens, nos bailes queer do Harlem, em Nova York. Filmado entre meados e final dos anos 80, decorre da vida noturna e a realidade pessoal de seus protagonistas, homens gays, mulheres trans, negros e latinos. Vivendo à margem da sociedade, a comunidade nova-iorquina que não seguia as condutas normativas da época, criaram relações familiares não hegemônicas entre si, assim como os bailes, para escapar da opressão e intolerância que eram submetidos.

O grande destaque e ponto chave do documentário era o baile, no qual a comunidade se reunia para competir entre si em diversas categorias, como “empresário”, “volúpia”, “militar” e “butch queen”. Através do baile, o sonho com a fama e a aceitação se tornavam possíveis, assim como a elucidação do papel que desejavam desempenhar na sociedade. As famílias, que concorriam nas competições, também ganharam importância na produção. As ‘casas’, como eram chamadas, significavam para os jovens excluídos da sociedade, uma nova forma de adentrar e se sentir acolhido por outros, uma rede de apoio.

Outra forma de competição descrita no documentário é o ‘Voguing’, dança que teve sua origem nos bailes de Harlem, Nova York. Neste tipo de dança, há um enfrentamento a partir da repetição e parodiação das poses vistas na revista ‘Vogue’. Os passos de dança então, sempre envolviam a performance visual e corporal, sendo uma forma segura de representar e passar uma mensagem.

Fonte: NWFILM

Muito do que era feito nos bailes, ganhavam uma terminologia. As melhores poses, significavam os melhores ‘shades’. Ao invés de brigar, disputavam entre passos de dança. O ‘veneno’, nasceu verdadeira arte do insulto. Encontrar um ponto fraco do adversário, sem diminuí-lo diretamente, era a forma evoluída de se mostrar melhor, com mais atitude e criatividade. Nos dias atuais, é comum referenciar a dança com a cantora Madonna, sendo interessante ressaltar que na produção de seu videoclipe, a coreografia foi feita por membros dos bailes retratados no documentário, assim como os dançarinos que participaram de seus turnês.

O ganhador do Prêmio Sundance Grand Jury, Paris is Burning é um filme de referência no cinema queer. Willi Ninja, nome importante e parte do elenco da cena drag, como Dorian Corey, Paris Duprée e Pepper LaBeija, define os bailes como uma ajuda a aperfeiçoar seu estilo, aprender coisas e ideias novas e leva-las ao mundo real. Essa definição, reflete a Teoria Queer, que está diretamente relacionada à luta difundida nos bailes de Harlem, Nova York. A dinâmica da sexualidade e o desejo de transpor as relações sociais vigentes são objetos presentes na teoria que transparece em Paris Is Burning. A inserção do sexo para regulação social, sendo o heterogêneo, uma prática moral, fez com que os queers incorporassem questões fora do padrão hegemônico, através de novos usos do corpo, seus atos, identidades, culturas e relações sociais.

Urge-se, então, notar que a realidade nova-iorquina do cenário LGBT da época, questionava os rótulos ilegítimos e inferiorizados postos à eles. A busca pela imposição, da transformação social e da diferença, faz com que a Teoria Queer, não busque somente o campo da sexualidade, mas sim questões de raça, cultural e econômica, assim como identificar e romper com a visão da prática heteronormativa como ideal. A realidade das pessoas retratadas no documentário é a exemplificação do queer.

Autor: Hayom Tovi C. Silva

O #PapoFeminsta é aquele cantinho especial onde xs Intermidiáticxs gritam “O QUE DISSE MACHISTA?”. É aqui que a gente usa tudo que estudamos sobre Teoria Feminista pra analisar e problematizar filmes, séries, políticas públicas, canais de comunicação e várias outras construções surgidas nessa sociedade patriarcal que merecem ser repensadas.

Fotos: Divulgação/Netflix

“She's Gotta Have It” (2007), do diretor Spike Lee, é uma série da Netflix  baseada no filme de mesmo nome de 1986, com dez episódios de cerca de trinta minutos cada em sua primeira temporada. Ela foi renovada para a segunda, e a produção já está acontecendo, mas ainda sem previsão de estreia.
A personagem principal, Nola Darling, é uma jovem artista independente negra, carismática, forte, e moradora do Brooklyn, que se intitula como pansexual e adepta do poliamor.

Possui três parceiros com personalidades totalmente diferentes: Jamie, um empresário rico cheio de classe e que diz estar saindo de um casamento; Greer, um fotógrafo e modelo muito vaidoso e egocêntrico; e Mars, meio bobo, malandro, e muito divertido. Na série, todos são objetificados. A relação da Nola com cada um deles segue suas regras e seus momentos. No meio da série, ela também se envolve com a Opal, que já possui uma filha.

A série sofre diversas críticas pela forma de abordagem do feminismo, da vida afetiva de uma mulher negra, do machismo, da misoginia, da liberdade sexual, do assédio, das desigualdades étnico-raciais, etc. Entretanto, sua existência é necessária.
Uma das abordagens mais criticadas, é em relação à vida afetiva da mulher negra. Enquanto Nola tem três parceiros que imploram por um relacionamento mais profundo com ela, a realidade para a maioria das mulheres negras é ter uma vida afetiva precária ou inexistente. Realidade em que a maioria se submete a situações que não reconhecem sua individualidade, feminilidade e, muitas vezes, sua humanidade ou, de fato, são preteridas. O título de “mulher pra casar”, ainda que seja carregado de machismo, nunca é para uma mulher negra.
[…] Mais que qualquer grupo de mulheres nesta sociedade, as negras têm sido consideradas ‘só corpo, sem mente’. A utilização de corpos femininos negros na escravidão como incubadoras para a geração de outros escravos era a exemplificação prática da ideia de que as ‘mulheres desregradas’ deviam ser controladas. Para justificar a exploração masculina branca e o estupro das negras durante a escravidão, a cultura branca teve que produzir uma iconografia de corpos de negras que insistia em representá-las como altamente dotadas de sexo, a perfeita encarnação de um erotismo primitivo e desenfreado. (HOOKS, 1995, p. 469)
Mesmo para uma espectadora negra, consciente do direito à igualdade, há certo estranhamento ao entrar na narrativa, pois estamos acostumadas a ver homens sustentando vários casos amorosos e não se importando com nenhum deles.
"Nola é uma personagem criada por um homem. No processo de produção do programa, isso ficou ainda mais evidente. Daí, adicionamos vozes femininas para dar vida a ela, e houve momentos em que Spike dizia: 'Não entendo o que vocês estão falando'. 'Isso porque você é homem, e há coisas que não pode ver como homem, mesmo para um tão aberto como você tenta ser. É só prestar atenção e deixar que a gente te ajude'. E foi isso que ele fez", disse Lewis Lee em entrevista, que é produtora-executiva da série e esposa de Spike.
Além de suas narrativas, “She's Gotta Have It” traz uma excelente trilha sonora, formada inteiramente por música negra, cujos discos são mostrados. A série alude também às situações da atualidade, como a gentrificação do bairro Fort Greene no Brooklyn, a brutalidade policial, o movimento #BlackLivesMatter, e a eleição de Donald Trump. Tornando-se também um seriado político.
A série inteira é sobre Nola se opondo aos rótulos, às definições das outras pessoas sobre quem ela é, às apropriações e expectativas. Esse posicionamento, em algumas cenas, acaba criando novos rótulos, como dizem os críticos, entretanto, o seriado não só expande o universo sexual da personagem mas também presta atenção às maneiras em que ela e outras personagens femininas negras estão constantemente sendo observadas, exploradas, ameaçadas, e até mesmo agredidas.
Apesar de discordar de algumas coisas retratadas, “She's Gotta Have It” nos faz pensar que somos a protagonista de nossas vidas, que devemos cuidar de nós mesmas para conseguirmos viver neste mundo.
A única temporada encerra bem a narrativa, porém, queremos mais!

Autora: Samily Loures